O reintrodução de um mínimo de pluralidade no jornalismo da TV Cultura, outrora a mais poderosa e relevante emissora pública do país, é a notícia alvissareira do momento, no sombrio mundo da mídia brasileira.
O movimento começou há um mês, com a condução de Ricardo Lessa à apresentação do programa Roda-Viva, e a efetivação de um veterano da casa, o editor Ricardo Taira, na direção de jornalismo.
O “Jornal da Cultura” já vinha tentando manter algum equilíbrio de opiniões, no formato de noticiarismo comentado que adotou há vários anos.
Foi o formato possível para se manter no ar, na absoluta penúria financeira em que vive, e na incapacidade de concorrer na cobertura extensiva dos fatos, com gigantes como a Globo, Bandeirantes ou Record.
Mas o equilíbrio entre opiniões contrastantes sempre foi precário ali.
Enquanto os comentaristas conservadores operavam normalmente no registro da eloquência, do destempero e até do desatino, seus oponentes progressistas reagiam com uma constante timidez, prudência e mesmo ambiguidade.
Agora, em contraste, já aparece na bancada do “Jornal da Cultura” até um polemista incendiário como o sociólogo Jessé Souza, para dizer com todas as letras que a Operação Lava-Jato é “o maior engodo da história do Brasil”, porque pratica uma justiça seletiva, desinteressada em delações sobre crimes do mercado financeiro e da própria mídia.
Mas é o carro-chefe da programação jornalística da Cultura, o seu programa de maior prestígio em passado não tão remoto, que sofre a mudança mais nítida.
O Roda-Viva não é mais o clube da imprensa golpista em que foi transformado, exclusivo de jornalistas da grande mídia corporativa.
Agora têm acesso à sua bancada os blogueiros de esquerda e convidados de áreas diversas, universidade à frente, numa saudabilíssima oxigenação de pontos de vista.
Ao centro da roda, não são mais convidadas apenas as personalidades da direita, para um ritual de congraçamento com os seus entrevistadores, ou os desavisados da esquerda, que se dispunham a experimentar o pau-de-arara verbal reservado exclusivamente para eles.
Agora se alternam ali os campos reais da política brasileira e um Guilherme Boulos já pode ser convidado, a despeito do reacionarismo reinante considerá-lo um perigoso subversivo, líder de uma agressiva milícia popular.
Especula-se se esta mudança de rota na TV Cultura, determinada pelo Conselho Curador da emissora, teria partido do governo de São Paulo, fonte de todo o poder e verbas da emissora.
Especula-se, mais ainda, se ela será mantida no atual governo-tampão do PSB, cuja ala paulista só difere do PSDB pela falta de um D em sua sigla.
Nada garante nada nesses tempos sombrios de pós-democracia, de legalidade seletiva e guerra suja na política.
Mas, se o país quiser retornar à convivência democrática normal, civilizada, é indispensável que ao menos a sua mídia pública persiga intransigentemente a isenção e a pluralidade - o que já não existe mais na mídia corporativa, e nunca houve na militante.
O que é público é de todos, até porque é pago por todos. Nenhum campo pode ser banido da tela pública.
Que esta alvissareira “primavera" da TV Cultura replante e faça florescer o jornalismo em toda a mídia pública, sob controle de quem ela estiver.