Depois de uma década de bonança, o Brasil volta a sofrer um declínio social e económico, podendo inclusive retroceder para o chamado mapa da fome das Nações Unidas.
O Banco Mundial estima que cerca de 28,6 milhões de brasileiros deixaram de viver abaixo do limiar de pobreza, fixado nos 140 reais (37,13 euros) mensais. No entanto, desde o início de 2016 e até ao final deste ano, a mesma entidade prevê que entre 2,5 milhões a 3,6 milhões de brasileiros tenham voltado a cair na pobreza.
Gains from Brazil’s ‘boom’ decade fade as millions return to poverty amid recession, corruption and budget cuts. https://t.co/buDnR6s2hZ pic.twitter.com/IJKvLjspPv— The Associated Press (@AP) 23 de outubro de 2017
Um desses casos será o de Leticia Miranda, brasileira de 28 anos. Entrevistada pela Associated Press, esta mãe de um menino de oito anos recordou a “vida maravilhosa” que chegou a ter e que se tornou numa “tristeza” após perder há seis meses o trabalho que tinha a distribuir jornais.
Leticia ganhava 500 reais (132,6 euros) mensais, o que lhe permitia pagar um pequeno apartamento num bairro pobre do Rio de Janeiro. Agora vive num edifício abandonado ao lado de centenas de outras pessoas nas mesmas condições de pobreza.
“Eu tinha trabalho. Uma vizinha aqui era uma boa amiga onde trabalhava. Ela foi despedida e eu também logo a seguir. Ela sabia que eu pagava renda onde vivia e já não a podia pagar. Ela disse-me para vir para cá”, contou.
#DiaInternacionalDaErradicaçãoDaPobreza: A mudança é possível. O poder das pessoas é nosso maior recurso para criar um mundo justo. pic.twitter.com/NZSxKGvWlD— ActionAid Brasil (@ActionAidBrasil) 17 de outubro de 2017
Leticia Miranda quer deixar o sítio onde encontrou um teto sem pagar aluguer mas também sem vidros nas janelas, mas não tem para onde ir. “Tenho enviado candidaturas para trabalhos, fiz duas entrevistas, mas até agora não consegui nada”, lamenta.
Professor na faculdade de economia Ibmec, no Rio de Janeiro, Daniel Sousa alerta para o corte dos apoios sociais em curso.
“Quando se colocam recursos nas mãos de pessoas com um rendimento tão baixo acaba-se por conseguir um impacto multiplicador na criação de emprego e dinamização da economia em regiões do interior e da periferia (...). Mas sem duvida, cortando-os acabamos por ter um impacto recessivo ainda maior em regiões com uma fragilidade social mais aguda”, afirmou.
O corte dos apoios resulta das políticas do governo de Michel Temer e deverá agravar-se no próximo ano. O economista Francisco Menezes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Económicas (Ibase) e consultor da ActionAid Brasil, contou ao Estadão ter analisado a proposta de orçamento do governo para 2018 e agravou as preocupações.
“Muitos cortes previstos têm um impacto direto no agravamento da situação de pobreza. Como exemplo, citaria a redução de 92 por cento das verbas do programa de cisternas no semiárido e de 99 por cento dos recursos voltados para a aquisição de alimentos da agricultura familiar para distribuição em áreas carentes. Medidas como essas levam-nos à situação de fome”, sublinha.
Entrevista: Brasil pode voltar ao mapa da fome da ONU, diz economista do Ibasehttps://t.co/NnwJeS2MSf pic.twitter.com/HtA53xXOH7— Diario de Pernambuco (@DiarioPE) 22 de outubro de 2017
O Brasil deixou de figurar em 2014 no mapa da fome da ONU, quando se constatou que menos de cinco por cento da população estava em situação de vulnerabilidade extrema. Mas um relatório assinado por 40 ONG e entregue em julho à ONU alerta para o aumento da fome no Brasil como consequência do agravamento do desemprego, do avanço da pobreza, o corte de beneficiários do programa Bolsa Família e o congelamento de investimento público.
Tudo conjugado, com 14 milhões de desempregados atualmente, e o Brasil poderá voltar a cair muito em breve no mapa da fome da ONU.