Médicos Sem Fronteiras: Ébola, Síria e impostos aos terroristas

2014-12-16 25

Eles arriscam a vida para ir até locais onde impera o desespero, seja para lutar contra o Ébola, seja para ajudar em tempo de guerra – Síria, Iraque, Nigéria, República Centro-Africana, Ucrânia, são alguns exemplos. Os Médicos Sem Fronteiras trabalham na linha da frente. Para abordar as situações mais prementes hoje em dia, Isabelle Kumar falou com a presidente da organização, Joanne Liu.

Isabelle Kumar, euronews: Recentemente, os Médicos Sem Fronteiras criticaram a comunidade internacional por causa da crise do Ébola. Por um lado, por ter demorado muito tempo até haver uma resposta concertada e, depois, pela falta de meios adequados. Neste momento, considera que as ações da comunidade internacional são satisfatórias nesta crise?

Joanne Liu: Creio que ‘satisfatórias’ é uma palavra demasiado generosa. Aquilo que gostaria de salientar é que houve pessoas que ouviram a nossa mensagem e que tomaram algumas medidas. O que é preciso agora é uma resposta flexível e moldável, porque muitos dos meios que foram mobilizados preenchem as necessidades de ontem, não as de hoje. As coisas mudaram, nós temos de nos adaptar. Já não é preciso construir aqueles grandes centros de 100 ou 200 camas para isolar os pacientes. Mas são necessários pequenos centros nas zonas rurais. Esse é o desafio.

IK: Esteve no terreno. Como foi ver a realidade do Ébola tão de perto?

JL: São imagens que nunca mais vou esquecer. Na última visita que realizei, passei por uma ala onde estavam 7 pacientes – três deles estavam numa fase avançada, tinham perdido a consciência, sangravam da boca, tinham sangue nas fezes. Estávamos muito preocupados com a sua situação. O mais angustiante, o mais duro, foi vê-los entregues a si próprios, sem familiares ao pé, só nós nos fatos especiais a cuidar deles. Eu digo sempre que nenhum ser humano deve morrer sozinho.

IK: Quantas mais pessoas poderão morrer até que a situação se altere? Há mais de seis mil vítimas mortais, milhares estão infetados. Até onde vamos chegar?

JL: É muito difícil fazer uma estimativa. Houve muitos que tentaram fazer previsões: no cenário mais grave, em 2015 teríamos 1 milhão e 400 mil casos. Não acho que vá atingir essa proporção. Mas a mensagem essencial que temos de fazer passar é que, apesar de o número de casos ter abrandado em algumas zonas, não podemos clamar vitória. Podemos ter ganho pequenas batalhas, mas não vencemos a guerra contra o Ébola.

IK: Estão a testar novos tratamentos nas vossas clínicas. Como é que está a correr? Quando é que poderemos conhecer os resultados?

JL: Se tudo correr bem, este mês ainda vamos iniciar dois testes com medicamentos antivirais em pacientes infetados, em dois dos nossos centros na África Ocidental. Isso vai durar algumas semanas. Em princípio, no primeiro trimestre de 2015 já teremos os primeiros resultados.

IK: No que diz respeito às vacinas – também há testes a decorrer nos Estados Unidos -, considera que são o melhor recurso para combater a doença ou tecnicamente há outras soluções de contenção no terreno?

JL: No futuro, aquilo que pode parar a cadeia de transmissão do Ébola a grande escala é uma vacina. E esperamos que se torne num recurso tão cedo quanto possível.

IK: Tão cedo quanto possível pode ser quando?

JL: Esperamos ter uma vacina disponível em 2015 para os casos mais urgentes na África Ocidental.

IK: Pedimos à nossa comunidade online para participar nesta entrevista, enviando-nos perguntas através das redes sociais. Uma delas diz o seguinte: “Estão a receber o apoio necessário (já respondeu em parte a isto) e qual é o país que mais ajudas dá no combate ao Ébola?”

JL: Os Estados Unidos têm estado muito envolvidos na Libéria e têm apoiado alguns centros. Se compararmos com as promessas feitas em setembro pelo presidente Obama, as coisas ainda estão aquém. Mas há uma mobilização e há empenho. Estamos a pedir flexibilidade a todos aqueles que têm recebido financiamento americano, porque já não são necessários 17 centros com capacidade para 100 camas. O que é preciso são, se calhar, 25 centros mais pequenos nas zonas rurais. Temos de adaptar os meios à medida das necessidades.

IK: Qual será o impacto deste vírus a longo prazo? Há escolas que estão fechadas, há sérias repercussões económicas…

JL: Vai levar anos a ultrapassar esta situação. Há perdas em termos de vidas, há perdas ao nível das infraestruturas. Na verdade, é muito difícil apurar a dimensão do impacto. Estamos a começar a ver resultados positivos no terreno, mas é essencial que não concentremos as energias apenas nas respostas para o amanhã, sem colmatar as necessidades flagrantes do presente.

IK: Esta foi uma das maiores emergências em que estiveram envolvidos, mas os Médicos Sem Fronteiras trabalham em 67 países. Há equipas na Síria, por exemplo. Tem sido particularmente difícil, sobretudo porque o presidente Bashar al-Assad não deixa as equipas operar. No entanto, têm conseguido intervir em zonas rebeldes. O que é que têm presenciado nes