Quino: Mafalda para sempre

2014-10-23 1

Joaquín Salvador Lavado, conhecido por “Quino”, nasceu na Argentina em 1932. Criou, há meio século, a personagem Mafalda. Este ano o Prémio Príncipe das Astúrias reconheceu o seu trabalho.

Já não pode desenhar porque é diabético e um glaucoma quase o cegou. Mas os desenhos intemporais de Mafalda ficarão, para sempre, gravados na sua memória visual e na dos leitores.

Francisco Fuentes, euronews:

Como foi receber o Prémio Príncipe das Astúrias para a Comunicação e Humanidades?

Quino:

Fiquei muito feliz, porque é um prémio que sempre respeitei e as pessoas que o têm recebido são sempre pessoas que merecem respeito e que fazem um trabalho de que se gosta.

Euronews:

É o primeiro cartoonista que recebe este galardão…

Quino:

Espero não ser o último.

Euronews:

Pensa que os cartoonistas profissionais, em geral, são suficientemente reconhecidos?

Quino:

“Eu acho que sim, penso que Umberto Eco deu à literatura desenhada algo de bom, tudo melhorou para nós.

Euronews:

Para onde caminha a sua arte? Com as novas tecnologias.

Quino:

Estamos numa transição tecnológica que ninguém sabe como vai acabar, um pouco como o que acontece com os livros eletrónicos, temeu-se que a sua criação arrasasse com a edição em papel e não tem sido esse o caso, por isso é difícil fazer um prognóstico preciso.

Euronews:

Imagina as suas tiras de BD num iPad, tablet, twitter?

Quino:

No início desta nova era tecnológica comecei por provocar, brincando com todas essas palavras, quase todas em Inglês, que as pessoas dizem sem saber o que significam. Acho que a tecnologia vai mudar as relações humanas, já as mudou muito, mas com uma desvantagem curiosa, as pessoas comunicam, com milhares de outras pessoas, mas não têm amigos com quem falar e isso é muito curioso.

Euronews:

Falemos um pouco da Mafalda, uma das razões que o trouxe às Astúrias. Ela acaba de completar 50 anos e há uma exposição que, há vários meses, está a percorrer o mundo. As suas tiras de BD, os seus pensamentos assumiram um significado importante. Esperava por isso quando começou a desenhá-la?

Quino:

Não, não esperava. Comecei a publicar essa personagem sem pensar muito bem como ela era, não foi trabalhada o suficiente antes de começar a publicação mas, depois, perguntei-me como transformá-la numa personagem de continuidade e então pareceu-me uma boa ideia ela fazer perguntas aos pais para as quais ninguém tem resposta: porque há guerras? Porque há pobres? Porque se destrói o planeta? Ninguém tem resposta para estas perguntas e foi uma boa maneira de conseguir que as pessoas se interessassem pela personagem.

Euronews:

Qual é o prazo de validade da Mafalda, ela já ultrapassou o seu tempo, é quase eterna?

Quino:

Não, penso que isso acontecerá no dia em que os leitores perceberem que ela não tem qualquer relação com as novas tecnologias, coisas que para mim são desconhecidas, nessa altura perceberão que esta personagem é de uma outra época e perderão o interesse.

Euronews:

Mas o interesse na Mafalda permanece válido, muito devido a um sentimento que nos dá a noção de que, na realidade, o mundo mudou muito pouco nos últimos 50 anos.

Quino:

Pouquíssimo, o que é dececionante, principalmente, no que diz respeito ao comportamento humano. Porque isso quer dizer que continuamos a cometer os mesmos erros e não melhoramos nada, a não ser em termos tecnológicos.

Euronews:

E porque é que isso acontece?

Quino:

Acredito que os interesses económicos suplantaram os interesses políticos ou a ideologia, hoje não há nenhuma ideologia, o que é estranho para uma pessoa, de uma geração como a minha, que teve o maio de 68, com “a imaginação ao poder”, e tudo isso foi muito bonito mas não resultou em nada.

Euronews:

Uma das imagens que tenho sempre em mente é a da Mafalda não gostar da sopa. Eu li que usou a sopa da Mafalda como uma metáfora para a ditadura Argentina. Como viveu a sua família aqueles dias que o levaram a partir para a Itália, Milão, especificamente, para viver?

Quino:

Vivemo-los como todos os nossos compatriotas, muito mal, ter que abandonar o país é angustiante, perde-se o contacto com amigos, familiares, entes queridos. Hoje, no mundo, a migração é algo normal não é preciso explicar a ninguém o que isso significa.

Euronews:

Como avalia a evolução da América Latina nos últimos anos?

Quino:

Ainda não a entendo muito bem. Até há cinco anos diria que a via com alguma tranquilidade mas, neste momento, questiono-me sobre o que vai acontecer.

Euronews:

E a Europa?

Quino:

A Europa intriga-me tanto como a América Latina.

Euronews:

Vive entre Buenos Aires e Madrid, por isso é um espetador privilegiado.

Quino:

A Europa foi o nosso farol cultural, para os latino-americanos. Neste momento, está numa situação em que não se sabe se vai acabar por unir-se mais ou separa-se, totalmente. Há países que querem tornar-se independentes e eu acho que isso é muito grave, não falo em países mas em regiões. Acho que, neste momento de incerteza, devemos unir-nos m

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